Será que Roger Garaudy se visualiza como responsável pela infelicidade de seus pais, pelo menos na parte relacionada à situação financeira? ele assim nos relata "Apesar de ser 'pupilo da nação', e bolsista, isto destruirá toda a vida de meus pais. De meu nascimento até minha formatura, eles não vão a um espetáculo, uma festa, não tem um prazer: duas vidas sacrificadas por uma, a minha, na qual eles depositaram sua alegria." (p. 18) Nitidamente ele nos expõe de maneira dramática até as privações as quais seus pais se submetiam para que a criança pudesse então estudar. Antes desse parágrafo ele assim descreve um dos esforços de sua mãe para lhe prouver os estudos. "Recordo-me das pernas azuladas de minha mãe, vendendo, de casa em casa, grãos de café, para que eu perdesse 'continuar meus estudos'." (p.18) Bem, sabe-se dos desafios ardilosos que o amor de um pai pelo filho pode fazê-lo enfrentar. A situação financeira da família Garaudy obviamente não era nada boa. Seu pai depois de servir o exército na guerra, em um período de desenfreada inflação, retorna ao lar de muletas, impossibilidade de trabalhar, enquanto sua mãe "começa sua batalha cotidiana para evitar que passemos fome" (p. 18). É o lar de uma família destroçada pelo sistema econômico, pela guerra, e que acima de tudo, mantém seus votos de amor, de fraternidade, lutando para que ao menos esse pequeno ser, que brota do seu seio, tenha a chance que talvez nunca tiveram, possa desabrochar nessa vida, e não murchar antes do tempo.
Mesmo com toda a proteção familiar, auxílio do tio-avô Edouard, "Tenho apenas dez anos, mas , como ele so´teve filhas, assim como todos os seus irmãos, exceto Clodius, o pai de meu pai, disse-me, como se sagrasse um rei: 'Você é o último Garaudy." (p. 14) a criança começa então sua busca pelas respostas que seus pais não podiam lhe dar e ainda por se defender da opressão que a pobreza lhe profere. "Minha vida tem nos livros sua pista de vôo" (p. 16). Ele encontrou na leitura sua tábua de salvação. Lendo, emergindo nas histórias, obviamente preferia os livros de ficção. "Não canso de reler Viagens e Aventuras do Capitão Halteras, de Júlio Verne" (p. 17) e os livros de cavalaria "sou, eu também, apaixonado por Ginevra, Isolda ou Branca Flor, mas meu modelo é Galaad. Este mito é o motor da minha vida" (p. 17). Assim Roger Garaudy consegue suportar sua miséria, consegue viver seu presente, de modo ausente.
* Citações extraídas de:
GARAUDY, Roger. Minha Jornada Solitária pelo Século. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996.
** Primeiro romance do autor brasileiro Machado de Assis, publicado em 1872.